Autor: Ben Hur
Este módulo serve como uma introdução suave aos conceitos geográficos necessários para trabalhar com sistemas de informação geográfica (SIG, ou GIS em língua inglesa). Ao final deste módulo, os alunos deverão compreender os seguintes conceitos:
Além disso, este módulo irá também introduzir alguns conceitos chave de softwares livres e de código aberto (Free and Open Source Software, ou FOSS) e softwares livres e de código aberto para aplicações geoespaciais (FOSS4G).
As ferramentas e recursos necessários para este módulo são:
Vamos começar com um exemplo:
Você pode ter ouvido a frase “todos os mapas mentem”, ou você viu uma postagem nas redes sociais afirmando que “O mapa mundi que você conheceu a vida inteira está errado!”. Bem, não é que os mapas estejam deliberadamente querendo mentir para você, mas a realidade é que os mapas não têm como te mostrar toda a verdade. Um exemplo disso são os tamanhos relativos dos países.
The True Size Of (“O verdadeiro tamanho de”) (https://thetruesize.com/) é um mapa online (ou aplicativo web) interessante que mostra como os tamanhos relativos dos países são distorcidos em um dos mapas mais comuns que usamos (o mapa que usa a projeção de Mercator). Ele também mostra alguns exemplos de tipos de dados espaciais sobre os quais aprenderemos mais neste módulo. Tente usar esse site para comparar o tamanho do seu país com o de outros.
Então por que isso acontece? Como você aprenderá neste módulo, é difícil representar a forma tridimensional da Terra em uma folha de papel plana. Para fazer isso, os cartógrafos usam o que é chamado de projeção cartográfica, para projetar os pontos da superfície tridimensional da Terra em uma superfície plana. No entanto, ao fazer isso, eles introduzem alguma distorção. Essa distorção pode ser de forma, tamanho, direção e distâncias dos objetos representados no mapa. Todos os mapas têm pelo menos uma dessas distorções. Por causa dessa distorção, um mapa nunca pode mostrar toda a verdade sobre a Terra.
No mapa online que usamos, o mapa de fundo que não muda de tamanho (em cinza) é um exemplo de dados raster. Os dados raster são representações do mundo baseadas em pixels, semelhantes a como fotografias funcionam. Enquanto isso, a forma dos países que podemos mover são exemplos de dados vetor, ou vetoriais. Os dados vetoriais, ao contrário dos rasters, representam o mundo usando objetos discretos (no sentido matemático da palavra), como pontos, linhas e polígonos.
Quando as pessoas pensam na Terra atualmente, elas geralmente imaginam uma massa esférica azul, verde, branca e marrom flutuando no espaço. É por isso que tradicionalmente usamos globos para representar a Terra.
Figura 1. A Bola de Gude Azul ( https://commons.wikimedia.org/wiki/Earth#/media/File:The_Blue_Marble.jpg) | Figura 2. Globo de l'Isle (1765) ( https://commons.wikimedia.org/wiki/Globe#/media/File:3quarter_globe.jpg) |
No entanto, embora o globo seja capaz de capturar a maioria das características da Terra, ele possui duas desvantagens principais:
É aqui que entram os mapas. Os mapas corrigem essas duas desvantagens dos globos, representando a Terra como uma superfície plana. Ao fazer isso, os mapas se tornam portáteis e adequados para uma infinidade de usos. Dito isso, os mapas também apresentam uma desvantagem própria. Através do processo de conversão de um objeto tridimensional (globo) em um bidimensional (mapa), distorções são geradas, de tal forma que é impossível para um mapa capturar perfeitamente as diferentes características da Terra (ou seja, formas, áreas e direções).
Uma projeção cartográfica é usada para achatar a superfície da Terra (ou de um globo qualquer) em um plano, a fim de criar um mapa. Este processo de transformação gera distorção.
Pense na Terra como uma laranja. Se você descascá-la, poderá deixá-la plana, mas nunca poderá torná-la perfeitamente plana. Você sempre encontrará um dos seguintes problemas:
Por causa desses problemas, cada mapa contém distorção em uma ou mais das seguintes características:
As projeções cartográficas podem preservar (sem distorção) uma ou mais dessas características, mas nunca todas ao mesmo tempo. Outra opção é balancear e minimizar as distorções para todas as características ao mesmo tempo. Isso se deve à natureza das próprias características.
Características principais como Forma e Área são mutuamente excludentes e não podem ser preservadas simultaneamente. Enquanto isso, as características secundárias Distância e Direção não têm como estar corretas em todos os lugares do mapa.
Ao escolher qual projeção cartográfica usar, é importante que você considere o propósito do mapa. Por exemplo, se deseja realizar análises baseadas em área, é melhor usar uma projeção cartográfica que preserva a área.
Existem várias classificações de projeções cartográficas. A primeira é baseada nas características que elas preservam.
Uma única projeção cartográfica pode preservar mais de uma característica (por exemplo, uma projeção azimutal equidistante que preserva a direção e as distâncias a partir de um ou dois pontos no mapa), mas nem todas delas, como mostrado na tabela abaixo.
Conforme | Equivalente | Equidistante | Azimutal | |
Conforme |
- | Não | Não | Sim |
Equivalente |
Não | - | Não | Sim |
Equidistante |
Não | Não | - | Sim |
Azimutal |
Sim | Sim | Sim | - |
Tabela: Ambas características podem ser preservadas por um mapa ao mesmo tempo?
Existe outra classificação de projeções cartográficas que não preserva nenhuma das características do mapa, mas tenta minimizar todas as distorções no mapa. Estes são chamados de projeções Erro Mínimo (Minimum Error, ou Compromise) (mapas que não preservam a forma nem a área são chamados de Afiláticos).
Uma maneira de visualizar a distorção é usando o que é chamado de indicador de Tissot. Este indicador caracteriza as distorções locais usando círculos e mostrando como esses círculos são transformados ao longo do mapa.
Figura 3. Projeção conforme com seu índice de Tissot. Os círculos permanecem como círculos por todo o mapa, mas suas áreas aumentam a medida que os círculos se movem do equador em direção aos pólos.
Figura 4. Projeção equivalente com seu índice de Tissot. Os círculos tornam-se elipses, mas suas áreas permanecem as mesmas.
Figura 5. Projeção equidistante com seu índice de Tissot. Observe que as alturas dos círculos são iguais, o que significa que a escala / distâncias ao longo dos meridianos são preservadas.
Figura 6. Projeção azimutal equidistante com seu índice de Tissot. Observe que os círculos estão todos apontando para o centro do mapa e as alturas dos círculos são todas iguais.
Outra maneira de classificar as projeções do mapa é pela superfície desenvolvível (“developable surface”) usada para criar o mapa. Uma superfície é desenvolvível se ela puder ser planificada sem introduzir distorções. As superfícies mais comumente usadas são: Cilindros (Figura 7), Cones (Figura 8) e Planos (Figura 9).
Figura 7. As projeções cilíndricas têm meridianos (longitude) e paralelos (latitude) encontrando-se em ângulos retos com as distâncias entre os meridianos sendo iguais.
Figura 8. As projeções cônicas têm meridianos retos indo para um ponto nos pólos. Os paralelos são arcos.
Figura 9. As projeções planas (comumente usadas em projeções azimutais) têm meridianos retos semelhantes às projeções cônicas, mas seus paralelos são círculos em vez de arcos.
Existem inúmeras outras superfícies desenvolvíveis que podem ser usadas para transformar um globo em um mapa. Eles podem ser uma variação das superfícies comuns, como no caso de projeções pseudo-cilíndricas e pseudo-cônicas ou podem ser superfícies únicas e diferentes, como no mapa Dymaxion, que usa um icosaedro (poliedro com 20 faces), ou a Projeção de Cahill-Keyes que usa um octaedro (poliedro com 8 faces).
A projeção de um mapa também pode ser classificada de acordo com seu aspecto (Figura 10) ou o modo como a superfície desenvolvível está posicionada no globo: Normal, Transversal ou Oblíqua.
Figura 10. Aspectos de uma projeção cartográfica
Um Sistema de Referência de Coordenadas (SRC, ou CRS na sigla em inglês) é usado para especificar a localização de um objeto na superfície da Terra por meio do uso de coordenadas. SRCs podem ser classificados em dois:
O conhecimento dos sistemas de referência de coordenadas é importante porque mesmo que dois mapas (ou camadas) mostrem o mesmo local, as coordenadas das localizações nesses mapas serão diferentes se os SRC que eles usam forem diferentes.
Veja este exemplo: Mapa A e Mapa B mostram a mesma área e extensão. Eles são basicamente o mesmo mapa. A única diferença é o sistema de referência de coordenadas que eles usam. O Mapa A usa SRC X e o Mapa B usa SRC Y. Digamos que obtivemos a coordenada do Ponto 1, que é (10, 10), do Mapa A. Se olharmos para a coordenada (10,10) no Mapa B, é possível que o Ponto 1 não esteja lá, pois o Mapa B usa um SRC diferente. Ou, se você sobrepor os mapas um ao outro usando uma referência comum, os objetos dos dois mapas não coincidirão. Este conhecimento de sistemas de referência de coordenadas é importante para qualquer tipo de GIS.
As versões do QGIS anteriores à versão 3 tinham a opção de ativar o que é chamado de “OTF” ou “Transformação On-The-Fly (em ‘tempo real’)”. Isso permitia que camadas com diferentes SRC fossem projetadas na tela do mapa como se estivessem no mesmo SRC. Com o QGIS 3 em diante, esta opção é ativada automaticamente como comportamento padrão do QGIS. QGIS também executa esta ação automaticamente para tarefas de processamento. Isso é muito importante porque se as camadas não estiverem no mesmo SRC, os resultados das consultas espaciais e do processamento como junções espaciais, clipes, etc. podem ser comprometidos.
Você pode notar que alguns Sistemas de Referência de Coordenadas são referidos por seu Código EPSG. Este código se refere ao código do SRC no conjunto de dados de parâmetros geodésicos EPSG, que é um registro de dados geodésicos, sistemas de referência espacial, elipsóides terrestres, transformações de coordenadas e unidades de medida relacionadas. A maioria dos GIS, incluindo QGIS, referem-se ao código EPSG para identificar sistemas de referência de coordenadas, projeções e realizar transformações entre esses sistemas.
Alguns códigos EPSG comuns incluem:
Em sua essência, um Sistema de Informação Geográfica (SIG) deve ser capaz de modelar objetos, informações e fenômenos do mundo real, como limites de lotes, rios, estradas, temperatura, etc. Ele faz isso por meio de modelos de dados espaciais.
Os modelos de dados espaciais são compostos de dois componentes principais que, quando combinados, modelam a realidade. Esses componentes são:
Existem dois modelos principais de dados espaciais: raster e vetorial. Embora qualquer objeto do mundo real possa ser representado por qualquer um dos dois modelos de dados, um deles é geralmente melhor para representar certos objetos do mundo real do que o outro.
Os dados raster são mais utilizados para representar fenômenos contínuos, como elevação ou temperatura.
Um raster é uma representação de objetos do mundo real composta de linhas e colunas de células ou pixels, no qual cada célula ou pixel representa uma área geográfica (pense em uma fotografia ou imagem). O valor da célula representa o valor de um atributo na referida área geográfica. O tamanho da área depende da resolução espacial do raster.
Rasters são bastante úteis para modelagem de adequação de locais (suitability modelling), pois você pode combinar rasters por meio de operações matemáticas (álgebra de raster).
Figura 12. Um raster consiste em pixels de tamanhos iguais em linhas e colunas.
Um pixel raster pode conter apenas um valor de cada vez. Assim, um raster pode modelar apenas um objeto ou fenômeno por vez.
Os dados vetoriais são mais utilizados para representar objetos discretos.
Os dados vetoriais possuem três formas: ponto, linha e polígono. São mais preciso que rasters porque pontos, linhas e polígonos são modelados usando coordenadas bem definidas, tornando-os melhores na representação de objetos discretos do que rasters.
Os vetores são comumente usados quando necessitamos precisão com comprimentos, áreas e distâncias. Eles também são úteis ao realizar análises de rede (por exemplo, encontrar o caminho mais curto um ponto a outro em uma rede de vias).
Figura 13. Um vetor consiste em feições com seus atributos correspondentes.
Comparado aos pixels raster, uma feição vetorial pode conter mais de um valor por vez. Esses valores são armazenados como colunas na tabela de atributos. Cada feição é armazenada como uma linha.
As informações geográficas e de localização tornaram-se onipresentes no século 21 em todos os níveis de granularidade. Temos satélites, aeronaves e até drones comerciais que são capazes de capturar grandes quantidades de dados brutos em grandes áreas por longos períodos de tempo. Existem também sensores que coletam e reúnem informações de localização, como o GPS e outros aplicativos em nossos telefones e dispositivos.
Com todos esses dados à nossa disposição, é fundamental saber gerenciá-los, analisá-los e apresentá-los. É aqui que entram os Sistemas de Informação Geográfica, ou mais comumente conhecidos como SIG, ou GIS.
SIG é uma ferramenta / framework / sistema que nos permite trabalhar com informação geográfica (ou espacial) e sua correspondente informação de atributo (não espacial). Em particular, um GIS deve ser capaz de:
SIG não é apenas mapeamento. Embora a elaboração de mapas seja um dos aspectos mais importantes e comumente conhecidos do SIG, ela ainda é apenas uma parte de seus muitos recursos. Podemos ver a estrutura SIG moderna como sendo composta por:
Todas as partes da estrutura SIG moderna - dos dados às pessoas - são essenciais para garantir seu sucesso.
QGIS é apenas um exemplo de software livre e de código aberto para uso geoespacial (FOSS4G). Outros exemplos de FOSS4G são GRASS, PostGIS, GeoServer, GeoNode, etc. Esses aplicativos FOSS4G são ótimas ferramentas para trabalhar não só porque são confiáveis, mas também porque, sendo gratuitos e de código aberto, têm uma barreira de entrada menor e são altamente personalizáveis para qualquer necessidade. Você pode encontrar uma variedade de softwares geoespaciais gratuitos e de código aberto para cada necessidade e para cada parte do “stack” geoespacial.
Figura 14. Uma amostra de stack geoespacial de código aberto (ou FOSS4G) (de Simon Nitz (https://twitter.com/si_nitz?lang=en))
Livre como em liberdade e não apenas grátis.
Software livre é o software que adere às Quatro Liberdades Essenciais do Software Livre, que são:
Softwares de código aberto são aqueles que possuem licenças que permitem uso sem precisar pagar royalties e que permitem a reutilização do software, juntamente com acesso livre ao código-fonte. Por convenção, essas licenças de código aberto são aquelas que estão em conformidade com a definição de código aberto prevista pela Open Source Initiative. O código-fonte aberto não só garante acesso gratuito ao software e código-fonte, mas também a capacidade de redistribuir o software sem custos adicionais.
Por causa da natureza aberta do software de código aberto, ele também é um ótimo modelo de desenvolvimento de software, no qual todos são livres para atualizar, melhorar, modificar e compartilhar suas modificações com a comunidade.
Existem muitos softwares geoespaciais de código aberto e, às vezes, a parte mais difícil é saber onde e como começar a trabalhar com esses softwares. Felizmente, a Open Source Geospatial Foundation (OSGeo) (https://www.osgeo.org/) existe para ajudar a promover a adoção global de tecnologia geoespacial aberta e apoiar o desenvolvimento dessas tecnologias.
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Se você quiser testar usar aplicativos FOSS4G facilmente, experimente o OSGeoLive (https://live.osgeo.org/en/index.html) que é uma distribuição Linux (sistema operacional) que vem pré-instalado com QGIS, GRASS e outros aplicativos FOSS4G.
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